Sunday, April 29, 2007

O Navio de Cristal

Antes que você deslize para a inconciência
Gostaria de te dar outro beijo
Outra chance fulgurante no paraíso
Outro beijo, outro beijo

Os dias são luminosos e cheios de dor
Envolva-me em sua chuva delicada
A hora em que eu fugi foi tão louca
Nos encontraremos outra vez
Nos encontraremos outra vez

Conte-me onde repousa sua liberdade
As ruas são campos que nunca morrem
Liberte-me de razões para que eu prefira gritar
Prefira voar

O navio de cristal será abastecido
Mil garotas, mil sensações
Um milhão de maneiras de passar o tempo
Quando voltarmos, eu te ligo

Folheando uma agendinha antiga (2001), encontro essa tradução de The Crystal Ship (The Doors) no dia 6 de abril, mais de seis anos passados. A tradução foi feita pelo meu então namorado, e eu achei legal, decidi trancrevê-la para agenda. Interessante é que na época ela tinha um significado pra nós (se é que algo escrito por Jim Morrison tinha significado), e tínhamos, cada um, uma cópia da letra em nossos escritos. Naquela época, produzíamos muitos textos, muitos dos quais ainda tenho aqui, mesmo depois da mudança-relâmpago que terminou por devastar parte do meu acervo de lembranças materiais.

Não moro mais no mesmo lugar, meu quarto não é mais o mesmo. Mas o outro, assim como era, continua na minha memória do mesmo jeitinho: o som no canto próximo à porta, a guitarra dele na cama, um monte de papéis no chão. Fazíamos tablaturas. E sentávamos no chão, pertinho da caixa de som, como se quiséssemos tocar a música que saía lá de dentro, num esforço de tentar reproduzi-la fielmente. Pura ilusão.

Não toco mais bateria. Mas continuo ouvindo grande parte dessas músicas, lembrando das bandas, dos ensaios, dos estúdios. A música saiu definitivamente dos meus projetos de vida, embora muito a contragosto. Ninguém tem idéia de o quanto é difícil para uma pessoa como eu escolher um único foco (como a sociedade o exige). Olhar para trás e me ver dançando. Olhar para trás e me ver tocando. E ter de abrir mão de coisas tão boas.

Lembro com alegria o estúdio à beira-mar, onde fazíamos fusaca e encerramos o ano de 2000 ao som do Smashing Pumpkins, comemorando minha aprovação no vestibular. Depois dos ensaios, um isopor, dois violões e praia. Praia para fazer rodinha na areia e cantar. Luau todo FDS. Tocar, cantar. Eu era meio cigarra-de-La-Fontaine. E nós nos sentíamos a própria turma da colina, embora no litoral.

Hoje a maioria de nós não toca mais, não faz luau, não canta. Muitos dos meninos são pais de família. Eu escolhi outro caminho, sem crianças, mas igualmente cheio de projetos. A música continua comigo quando estou escrevendo ou estudando. Ou quando sento para relembrar essas histórias de fusaca com minha mãe.

2 comments:

Anonymous said...

Ah, essa, sim, é coisa do passado. Lembrei-me agora do tempo em que eu ouvia muito o Doors, bebia na Peixaria ou no Poco Loco. Eu me achava o próprio Morrison, perdido pelas ladeiras e becos da cidade antiga. Valeu, ler esse post foi massa. bjão

Macabea said...

Ô, meu rei, tu num faz idéia. Dia chuvoso é assim: bate aquele saudosismo... Adolescência com música é sempre mais legal. Quer dizer: com música decente.
Bjo. Saudade de tu e da sua sinhora.