Saturday, February 16, 2013

A saga do blaser vermelho

Naquela loja de departamentos, tudo parecia muito entediante.  Entendam a gravidade do negócio: para uma pessoa consumista, estar numa loja de departamentos e passar mais de 10 minutos sem deparar com uma peça que faça seus olhinhos brilharem é no mínimo intrigante. Mas ali, tudo parecia mais do mesmo, e ela apenas buscava comprar algo de extrema necessidade. Queria um blaser. Era meio frio no trabalho, queria algo prático, pra usar só no ambiente de trabalho e tirar tão logo saísse. O blaser seria perfeito. Mas justo agora esse danado tinha de ser a moda da moda da moda, bombando por aí com cores exóticas e estampas fechação?

Enquanto se deparava com preços bizarros e acabamentos marromenos, deparou-se com uma arara cheia de remarcações. Havia quatro deles, um de poá e três vermelhos. Pegou primeiro o de poá, olhou o tamanho, era 48. Claro, por que haveriam de vender um blaser tão lindo por um preço de apenas dois dígitos? Olhou para os três vermelhos, já entediada. O primeiro era 48, o segundo era 48 e o terceiro... uma cidadã apareceu do nada e o tirou da arara. Ela pensou em voz alta: será que haveria algum tamanho 38? E a cidadã respondeu-lhe com ar de vitoriosa: "É exatamente este aqui". E foi embora com o blaser vermelho, lindo, bem-cortado, barato e...38.

Olhou enfurecida para a cidadã partindo com "seu" blaser. Maldisse a vida por não ter olhado a arara de trás pra frente e ter visto o 38 primeiro. Desejou que o danado não coubesse na intrometida, mas tudo em vão... a raiva não passava. Olhou para ela, flanando pela lojinha com o blaser vermelho na mão: a infeliz além de tudo era magra! Então sua mãe teve uma ideia brilhante: "Vamos segui-la até o provador, vai que não cabe nela". Desconsiderou, achou humilhante. Pegou suas humildes pecinhas - nada que fizesse seus olhos brilharem - e foi ao provador, consumida de mágoa. Até que ela percebe que a cidadã do blaser está na cabine ao lado. Provou tudo que tinha de provar, saiu e ficou à porta do provador, à espreita. Viu até quando a cidadã do blaser saiu da cabine e o mostrou à amiga: percebeu que ficou horroroso nela, que o comprimento da manga tava curtíssimo (o famoso "coronha") e que ela definitivamente não sabia usar aquele tipo de peça. Esperou até o último segundo, a infeliz praticamente criara raiz no provador.

Até que saiu com o blaser na mão e, em vez se seguir pro caixa, voltou para o setor. Ela não teve dúvida, seguiu a cidadã. A baranga entregou o blaser para a vendedora, que saiu pela loja com a peça na mão. Não havia dúvida, era hora de seguir a vendedora: abordou-a e perguntou do blaser, a vendedora disse-lhe que pertencia a uma cliente, mas que talvez a cliente não o levasse. Então havia uma ponta de esperança. Fez cera pela loja, circulou, circulou, abordou a vendedora novamente: nada nada. Segundo a vendedora, a incoveniente da cidadã ainda iria provar para decidir se levaria.

Foi então que ela percebeu: essa horrorosa estava lhe trollando. Percebera seu interesse pela peça e estava fazendo tortura psicológica. E que tortura! Do tipo que não se faz com consumista alguma. Da maior falta de humanidade. Foi então que desabafou com a vendedora: a feia de plantão não iria provar coisalguma, já tinha fixado residência no provador, e que sua paciência se esgotara. E dirigiu-se ao caixa. Mas não sem antes olhar para a cidadã, listar todos os seus "defeitos estéticos" mentalmente e desejar que o blaser ficasse muito, mas muito feio nela.

Pronto, ficou leve! Numa hora dessas, saber que há gente mais feia que você nesse mundo e, acima de tudo, praguejá-la, deixa qualquer mortal, por mais cristão que seja, mais leve.