Tuesday, June 05, 2012

Saboreie pequenos instantes de anti-heroísmo

Cá estou eu dando mau exemplo e me atrevendo a refletir sobre ele.

De uns meses para cá, meu face virou uma espécie de microblogging que narra a saga da vizinha que quer estudar (eu) contra a vizinha que se acha no direito de obrigar o condomínio inteiro a ouvir o som dela. Muita gente acha que meu ódio por ela é por ela ouvir brega, pagode mela-cueca, forró cafuçu e outros tipos de música de gosto discutível, mas pra mim ela poderia estar ouvindo Radiohead (minha banda favorita): simplesmente é a postura dela (e de tantos outros vizinhos, meu condomínio não é dos mais refinados) e o silêncio dos demais vizinhos que me incomodam. E assim minha saga virou uma novela comentada no FB e fora dele: as pessoas me perguntam na rua se eu já resolvi a situação, perguntam a meu namorado se não há nada que eu possa fazer.

Sempre soube que esse tipo de condomínio em que eu moro é terra de ninguém: cada um estabelece suas próprias regras e, se estas ferirem a privacidade de outrem, este que se f***... ou que resolva da maneira que lhe convier. E eu sempre me limitando a descarregar meu ódio no FB (num pense que é raivinha não, é ódio mesmo, e pouco importa se esse pensamento não é lá muito cristão...) e pôr um par de fones nos ouvidos para poder estudar. Ou seja: graças a uma vizinha sem ética nem boas maneiras, eu prejudico meus tímpanos, por que um fone em baixo volume não me impede de ouvir o seleto repertório dela, tem de ser muito alto. Cansei de ouvir minha mãe reclamar que ouve o som dos meus fones estando a poucos metros de mim.

Aqui em casa, não temos aparelho de som. Som mesmo, sonzão, aquele com duas caixas e talz... Temos um portátil na sala, que parou de ler CD há anos (e nós utilizamos tanto que nem o consertamos), um portátil na cozinha (que minha mãe gosta de ouvir enquanto cozinha), e gosto de ouvir som no computador com meu kit autista (um par de fones que me isolam de estímulos externos). Sempre pensei: se eu tivesse um sonzão, já tinha posto essa vizinha nos eixos. Porque, pra gente que ouve esse naipe de música, uma guitarrinha minimamente distorcida com uma pedaleira de R$ 1,99 causa pânico. Até cogitei comprar um daqueles caixas de som que ligamos na guitarra, mas achei que seria gastar vela com mau defunto investir $$$ numa vingança.

Mas o quê? Nunca subestime o sabor de uma vingança.

Eis que hoje acordo de ovo virado e, ao primeiro sinal do brega dela, olhei pra o sonzinho quebrado. Lembrei que apenas o leitor de CD está quebrado, mas que nada me impedia de ligá-lo no aparelho de DVD. Foi aí que começou a vingança. Sou daquelas que tem pavor de mexer em fios, ligar isto naquilo, instalar videogame na TV, sou uma nulidade. Mas a sede de vingança foi maior. Liguei pro bophe e perguntei a ele como fazia, ele me passando o tutorial pelo telefone e eu instalando. Feito. Foi aí que, com muito carinho, botei Metallica, depois Raimundos (porque uma obscenidadezinha de leve é sempre bem-vinda para abalar a moral e os "bons costumes" da vizinhança); por fim botei a discografia do Offspring. Tudo isso cantando em voz alta, do mesmo mesmíssimo jeitinho que a vagabunda faz. Depois de mais de duas horas ininteruptas do combo música barulhenta + voz irritantemente aguda, recebo uma mensagem da minha prima (que adora Offspring) pelo FB: "prima, Offspring é aí na tua casa?". E aí me bateu aquele sentimento de realização e dever cumprido. Minha prima mora no mesmo andar da biscate, se meu som chegou lá, chegou pras duas.

E aí fiquei pensando na justiça alternativa, aquela que a gente faz quando tá em terra de ninguém e não tem quem defenda nossos interesses. Percebi que o talião é quase um instinto humano, é quase inevitável você querer que um FDP seja penalizado pelo mesmo mal que causou a alguém. Sei que não é válido porque o Estado, porque o Direito, porque zzzzzzzzzz, mas que é humano e que, em algum dia na vida, todo mundo já desejou a alguém o mesmo mal que este lhe causou, isso é fato. E aqui, nesse microcosmo, onde nem mesmo um síndico se presta a resolver esses pequenos abusos, não nos resta outra coisa a não ser lançar mão dessa conduta tão "condenável", mas tão humana.

A essa altura, a vizinha do som possante já tinha pedido licença pra c*gar e saído. Mas eu deixei meu som tocar mais um pouco para ela aprender como é que boi pega trem. Um minuto ou outro, me sentia constrangida ao imaginar que naquele momento alguém poderia estar tentando ver TV, ou estudar, ou mesmo com dor de cabeça. Mas aí eu me lembrava que essas pessoas aguentam por dias e dias o som da vizinha e se omitem. Som da vizinha desligado o mais cedo que o habitual, me sentia a justiceira da "terra de ninguém". E finalmente respeitada. Porque, meu amigo, não pense que ficar chorando as pitangas me rendeu algum respeito ou até alguma solidariedade: o que impõe respeito é mostrar que o limite da doidice alheia é sua insanidade. Com o perdão do Trident à paródia politicamente incorreta (e portanto mais coerente com a cultura brasileira) de seu slogan, saboreei pequenos instantes de anti-heroísmo. Porque estamos na terra do Macunaíma, da malandragem legitimada, que mal há em ser anti-herói?