Tuesday, June 16, 2015

Maternidade voluntária?

Eis que do nada me deparo com este texto sobre maternidade voluntária. Eu leio zilhões de textos não acadêmicos sobre direitos reprodutivos, sigo muitas páginas de feminismo no Face e fatalmente esse tema circula pela minha TL inúmeras vezes por dia. Mas este especialmente me chamou atenção pela expressão maternidade voluntária, que me soou como um soco no estômago. Porque não, a maternidade não é voluntária, não há espaço para a maternidade voluntária na nossa sociedade, e esse incômodo que sinto está longe de se restringir à questão do aborto.

Explico: não quero ter filhos, mas não gostaria de algum dia na vida precisar praticar um aborto. Embora seja totalmente a favor do direito à interrupção, eu não gostaria de fazê-lo por motivações pessoais (mais precisamente, religiosas), que não cabem ao Estado. No entanto, não sou respaldada na minha escolha, e isso não se restringe ao aborto, mas à própria decisão de não ter um filho. Já perdi as contas de quantos médicos se recusam a implantar um DIU em mulheres que nunca pariram. O motivo? "Pode" causar uma pequena lesão no colo do útero, "podendo" impedir uma gestação futura. Então, diante dessa "possibilidade", não bastaria assinar um termo de consentimento (daqueles que a gente assina quando vai fazer exames que "podem" causar 94848595848 complicações bizarras)? Não, a mulher não é senhora do seu corpo, e como tal não pode assumir os riscos da decisão que toma. Esterilidade permanente também é outra condição que compete ao Estado. Minha mãe estava grávida de mim quando se deparou com a notícia de que ficaria viúva em pouco tempo. Então, ela estaria sozinha numa jornada que dura apenas a vida inteira, numa responsabilidade perene. Minha mãe pôs os consultórios abaixo pedindo para realizar uma laqueadura após o parto, demanda que os médicos recusavam porque ela "precisava ter no mínimo três filhos". Um gozadinho ainda teve o desaforo de dizer que ela estava cometendo crime de "lesa-pátria". Observem: ela "poderia" vir a casar novamente, ela "poderia" vir a querer ter outros filhos, mas o que deveria vir ao caso não deveria ser o que ela queria? Naquele momento, ela queria a esterilidade permanente. Mas o nosso querer não basta...

O discurso é sempre o mesmo: um dia você PODE vir a querer filhos. Como se não bastasse a crença de que a maternidade é o único curso de ação possível e imaginável na vida de uma mulher, ainda há a crença de que eu não posso decidir sobre meu corpo. Penso que se um dia uma mulher opta pela esterilização permanente e se arrepende, o peso desse arrependimento é algo que só compete a ela (e no máximo a seu companheiro). Então, por que o arbítrio não compete a ela? Sinceramente, até hoje não me foi dada uma explicação convincente.

Enquanto isso, mulheres que não desejam ter filhos seguem uma vida inteira tomando hormônios sintéticos e lidando com suas complicações (muitas vezes varridas para debaixo do tapete por grupos de interesse - que não são poucos). Que algumas mulheres optem pela pílula ou o preservativo (ou os dois) quando a não maternidade é uma condição provisória, quando em determinado momento desejam interromper essa condição e reproduzir, me parece absolutamente razoável. Mas quem assegura os direitos reprodutivos daquelas que vislumbram a não maternidade como uma condição permanente? A indústria farmacêutica, com seus hormônios sintéticos, de quem serão reféns até a menopausa, lucrando complicações vasculares, mastalgias, enxaquecas e os inúmeros efeitos colaterais das pílulas?

Não, a maternidade não é voluntária. E a não maternidade é uma condição subversiva pela qual muitas vezes pagamos com a nossa saúde ou mesmo com a nossa vida. Não venham me falar em maternidade voluntária quando a maioria das portas estão fechadas para nós.