Sunday, May 15, 2011

Condomínio popular e a evolução das espécies

Eu moro em condomínio popular desde criança e, contrariando o determinismo simplista, não gosto de ouvir som alto de porta aberta, não estendo calcinhas na janela, regulo o volume da TV e não me debruço na janela para "conversar" (leia-se: berrar) com os vizinhos. Muito embora eu tenha crescido nesse tipo de ambiente, ninguém precisou me mostrar que isso são práticas abomináveis: eu simplesmente acho. E, se acho, não as reproduzo. E odeio quem as reproduz. Odeio muito.

Neste exato momento, uma vizinha conversa com a vizinha do prédio em frente pela janela, enquanto ouve um desses pagodes mela-cueca nas alturas de portas e janelas abertas, ao mesmo tempo que um vizinho ouve Whitney Houston bem alto na TV. E neste exato momento também (como em todos os momentos em que eu não estou dormindo, nem comendo, nem tomando banho), eu estou estudando. Lutando contra todos esses (des)estímulos para me concentrar e fazer a leitura de um texto que sequer está em minha língua nativa, ou seja, requer um pouquinho mais de atenção.

Certo dia, um amigo perguntou como eu conseguia estudar ouvindo música. Inúmeras pessoas já insinuaram à minha mãe que eu não estudo, fico "enrolando" com o som ligado. Essas pessoas certamente queimaram a aula de evolução das espécies e nunca ouviram falar de adaptação, sobrevivência, essas coisas que você jura que estão apenas no âmbito da biologia... até que as sente na pele.

Pois bem, eu preciso estudar, não preciso? Eu posso chegar para meu orientador e dizer que não dei conta da leitura porque o vizinho passou o FDS ouvindo brega? NÃO. Logo, se há de se desperdiçar um percentual da minha atenção, que o seja ouvindo música decente, pelo menos que não cause mal-estar. Assim, gasto os 40% de atenção, mas com o benefício de economizar os 10% que desperdiçaria xingando o vizinho e os "artistas" de FDP pra baixo.

Acontece que, com o tempo, estudar com música torna-se tão natural quanto dormir no escuro. Isso se chama adaptação, meu caro. É a evolução das espécies. Ou você acha que isso só acontece na selva? Ou você acha que um condomínio popular é muito diferente de uma selva?

2 comments:

Malthus de Queiroz said...

Entendo profundamente sua situação, Maca. Moro também em um bairro popular e lamento ter que ouvir certas manifestações ogrinas de felicidade de vizinhos. bjs

Macabea said...

Nem te conto: a coisa piorou MUITO da hora em que postei isso pra cá. Só falta tocar a posição da rã.