Wednesday, July 27, 2016

Cuidando do picumã em tempos de saberes colaborativos

Do ano passado para cá, comecei a me interessar pelas rotinas capilares sem sulfato e sem shampoo não pelo intuito de segui-las, mas pelo interesse que eu tinha de estudar as relações de consumo. Enfim, visitei blogs, canais no YouTube e até entrei em um grupo do Facebook que tem a finalidade de reunir informações e oferecer ajuda às iniciantes nas técnicas. Essa busca me fez refletir sobre a quantidade de derivados de petróleo no nosso cabelinho, e terminei por eliminá-los da minha vida, além de reduzir drasticamente o uso de shampoo, optando por aqueles de formulações menos agressivas. 

Nesse processo, a porta de entrada foram os blogs e grupos, mas, como pesquisadora, tenho essa característica de questionar, duvidar, fuçar, e terminei por seguir meu caminho estudando, buscando sites especializados, entendendo a formulação das substâncias. Contou a meu favor o fato de eu ter uma enorme simpatia por química (e ter sido boa aluna em 1900 e ensino médio), de modo que lia textos imensos com toda a boa vontade do mundo - e os entendia.

Há pouco mais de um mês, voltei ao grupo, agora como praticante de rotina shampoo leve, e fiquei bastante preocupada com as implicações dessa facilidade com que informações se criam e disseminam em ambientes colaborativos. A contribuição das blogueiras para as meninas que optam por uma rotina capilar livre de sulfatos fortes, silicones e derivados de petróleo é inegável, até porque muitas praticantes possuem pouca escolaridade e precisam aprender um troço um tanto complexo (como a composição de cosméticos para higienizar e embelezar os cabelos) numa linguagem acessível. No entanto, o risco de telefone sem fio é real, e eu vejo todo dia as consequências disso. 

Um exemplo desse risco são as famosas "misturinhas caseiras". Longe de mim achar que só o que é produzido pela indústria cosmética tem credibilidade. Acho superválido, inclusive, quem substitui o shampoo por ingredientes naturais. Acontece que manipular substâncias já prontas é algo perigoso, porque há interações. Então, pegar um sabonete, derreter em banho-maria, misturar com óleo de coco e usar como shampoo é extremamente arriscado, não só pela interação entre as substâncias, mas também por fatores como temperatura, acondicionamento, etc. Tudo isso altera a composição original e consequentemente a funcionalidade, a durabilidade, etc. Além de o risco de alergias ser aumentado, você não poderá cobrar do SAC uma posição acerca de um produto que você "batizou".

Outra coisa que me incomoda é a moda do co-wash (não a técnica em si, eu a utilizo inclusive). A técnica consiste em lavar o couro cabeludo com um condicionador cuja composição não deposite resíduo nos fios (ou seja: sem derivados de petróleo e sem silicones). Os adeptos assumem que a composição do produto é capaz de higienizar o couro cabeludo desde que não haja resíduos dos "proibidões" que mencionei. Os condicionadores específicos para essa práticas contêm um agente limpante suave, como o cocoamidopropilbetaína (o famoso anfótero). Isso é importante porque higienizar o couro cabeludo não é só remover resíduo dos produtos usados, mas também eliminar micro-organismos que podem causar uma série de problemas no couro cabeludo, alguns irreversíveis. No entanto, muitas pessoas têm utilizado condicionadores inespecíficos para esse fim. "Ah, se não tem silicones nem derivados de petróleo, então pode, né?" E, sem agentes limpantes, você corre o risco de apenas remover resíduos de produtos, mas manter fungos e bactérias, por exemplo. Algumas pessoas têm optado por comprar o "anfótero" e misturar a seus condicionadores para otimizar a detergência. Qual é a bronca? Manipulam-se duas substâncias cujas formulações podem não ser compatíveis ou cuja interação seja tóxica a seu organismo. 

A terceira, e talvez a mais incômoda dessa jornada, é a imposição do consumo como único caminho para assumir cabelos crespos. "Tem que [sic] fazer cronograma capilar." "Tem que fazer reconstrução." "Tem que fazer umectação" "Tem que ter 'tal produto' no seu 'arsenal'." "Tem que..." Não, eu não tenho de fazer nada. Cronograma capilar não é uma necessidade. Estar com a cabeça carregada de cremes não é um pré-requisito para ter cabelos bonitos. Você não precisa usar óleos no cabelo se não quiser (eu, por exemplo, detesto!). Você não precisa se preocupar com o desejado day-after (o dia após a lavagem, em que, se finalizado com um bom produto, o cabelo acorda ok e não precisa lavar novamente para remodelar os cachos). Eu, por exemplo, gosto de lavar todo dia, mas já li que água demais faz mal (oi? entupir o cabelo de substâncias faz bem, água faz mal, senta lá, Cláudia!). Um dia queriam me convencer a fazer uma reconstrução a pulso, mesmo eu sabendo que meu cabelo é absolutamente saudável, sem química nem danos mecânicos. 

Então, para minhas amigas que estão começando nas técnicas (sem shampoo ou shampoo leve), meu conselho é: estudem como é seu cabelo e seu couro cabeludo e se observem. Observem-se muito porque nem tudo que funciona com a menina do grupo que tem cabelo feshoso vai funcionar com você (eu, por exemplo, passo mais de um ano com um creme de pentear porque se eu puser mais que o tamanho da minha unha o cabelo fica um grude). E encarem essa vivência como uma oportunidade de consumir de forma minimamente consciente, de entender a composição do que você põe na sua cabeça (assim como no seu prato ou na sua pele) ou mesmo de pressionar a indústria cosmética por repensar suas fórmulas (a retirada de parabenos de algumas formulações é um exemplo disso). A quem frequenta salões, é um oportunidade de discutir com seu profissional tudo que será colocado no seu cabelo. Afinal, estamos falando do nosso corpo! 


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